terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Imaginem (por Mário Crespo)

Mário Crespo



Imaginem que todos os gestores públicos das setenta e sete empresas do Estado decidiam voluntariamente baixar os seus vencimentos e prémios em dez por cento. Imaginem que decidiam fazer isso independentemente dos resultados. Se os resultados fossem bons as reduções contribuíam para a produtividade. Se fossem maus ajudavam em muito na recuperação.
Imaginem que os gestores públicos optavam por carros dez por cento mais baratos e que reduziam as suas dotações de combustível em dez por cento.
Imaginem que as suas despesas de representação diminuíam dez por cento também. Que retiravam dez por cento ao que debitam regularmente nos cartões de crédito das empresas. Imaginem ainda que os carros pagos pelo Estado para funções do Estado tinham ESTADO escrito na porta. Imaginem que só eram usados em funções do Estado.
Imaginem que dispensavam dez por cento dos assessores e consultores e passavam a utilizar a prata da casa para o serviço público. Imaginem que gastavam dez por cento menos em pacotes de rescisão para quem trabalha e não se quer reformar. Imaginem que os gestores públicos do passado, que são os pensionistas milionários do presente, se inspiravam nisto e aceitavam uma redução de dez por cento nas suas pensões. Em todas as suas pensões. Eles acumulam várias. Não era nada de muito dramático. Ainda ficavam, todos, muito acima dos mil contos por mês.
Imaginem que o faziam, por ética ou por vergonha. Imaginem que o faziam por consciência. Imaginem o efeito que isto teria no défice das contas públicas. Imaginem os postos de trabalho que se mantinham e os que se criavam. Imaginem os lugares a aumentar nas faculdades, nas escolas, nas creches e nos lares. Imaginem este dinheiro a ser usado em tribunais para reduzir dez por cento o tempo de espera por uma sentença. Ou no posto de saúde para esperarmos menos dez por cento do tempo por uma consulta ou por uma operação às cataratas.
Imaginem remédios dez por cento mais baratos.
Imaginem dentistas incluídos no serviço nacional de saúde. Imaginem a segurança que os municípios podiam comprar com esses dinheiros. Imaginem uma Polícia dez por cento mais bem paga, dez por cento mais bem equipada e mais motivada. Imaginem as pensões que se podiam actualizar. Imaginem todo esse dinheiro bem gerido. Imaginem IRC, IRS e IVA a descerem dez por cento também e a economia a soltar-se à velocidade de mais dez por cento em fábricas, lojas, ateliers, teatros, cinemas, estúdios, cafés, restaurantes e jardins.
Imaginem que o inédito acto de gestão de Fernando Pinto, da TAP, de baixar dez por cento as remunerações do seu Conselho de Administração nesta altura de crise na TAP, no país e no Mundo é seguido pelas outras setenta e sete empresas públicas em Portugal. Imaginem que a histórica decisão de Fernando Pinto de reduzir em dez por cento os prémios de gestão, independentemente dos resultados serem bons ou maus, é seguida pelas outras empresas públicas.
Imaginem que é seguida por aquelas que distribuem prémios quando dão prejuízo.
Imaginem que país podíamos ser se o fizéssemos.
Imaginem que país seremos se não o fizermos.

in, Jornal de Notícias 4/Ago/2008



Estamos a 19 de Janeiro de 2010, dá que pensar... Mas pensar é algo que a maioria não está disposta a fazer.

(Recebido por e-mail)

5 comentários:

Sílvia Barros disse...

Tem toda a razão e viver segundo esses paradigmas seriamos um país equilibrado. No entanto, não deixo de sentir curiosidade pelo vencimento mensal do Sr. Mário Crespo!

Rapunzel disse...

Não querendo desfazer este grande Senhor que é o Mário Crespo, há anos que ando a dizer o mesmo!
Já trabalhei no estado, já convivi de perto com vários funcionários de vários ministérios, até já tive propostas para subornar funcionários da Segurança Social...sei bem o que se passa!
Por isso odeio política e políticos! Porque o esforço é sempre de quem não tem culpa e de quem não ganha essas barbaridades de dinheiro...
E eu costumo dizer que a nossa sorte é estarmos inseridos na UE porque senão não seríamos melhores do que um pais qualquer da América do Sul onde a corrupção é mais que evidente... mas isso sou eu!

Pochinha disse...

E imagino!... Ora se fossem nem um niquinho altruistas, faziam isso mesmo. Nem que fosse só em 5%, sei lá. Já era bom.

"Imaginem que país seremos se não o fizermos." Ora, acho que infelizmente nem é preciso imaginação para isso... =/

Ritz disse...

De facto dá mesmo que pensar. Pena é quem devia pôr a mãozinha na consciencia esta-se pouco marimbando :x

Hellag disse...

imaginar, imagino! mas ao acordar vi que era apenas um sonho...um sonho que tivera esta noite!ainda pensei, "que bom, ainda há gestores assim!"...mas acordei e afinal, não passava mesmo apenas de um sonho...